8.4.11

Os idosos de novo e a lusofonia

22 de Fevereiro – Depois da notícia da senhora da Rinchoa que jazia há mais de oito anos e meio morta em casa e que só foi encontrada porque o Fisco executou a penhora da habitação, os casos de mortes solitárias de idosos ganharam visibilidade nas notícias.
Torna-se forçoso reconhecer que tais casos são apenas a ponta do icebergue do desespero em que muitos idosos vivem. Obviamente que todos somos responsáveis, por muito que não o queiramos admitir.
A situação mais exemplar de abandono dos mais velhos aconteceu ontem em Caselas, um bairro de Lisboa. Luís Carlos, de 83 anos, já não conseguia cuidar da mulher, Isabel, de 89 anos, que sofria de Alzheimer. Desesperado, matou-a e suicidou-se.
Ora, um Estado que deixa uma pessoa com essa doença ao cuidado de um idoso falha estrondosamente no cuidado aos mais desfavorecidos. São cada vez mais as situações de idosos incapacitados, muitos com demências, deixados ao deus--dará. E nem adianta culpar o abandono da família, porque frequentemente já nem existe rede familiar. O empobrecimento do País conjugado com o acentuado envelhecimento da população, o esforço financeiro sobre a Segurança Social e a pressão nas reformas vão provocar o aumento de situações semelhantes. Num Estado com recursos cada vez mais escassos, tem de haver prioridades – e os idosos não podem ser esquecidos.

24 de Fevereiro – Ao longo dos anos, os nossos responsáveis políticos tentam descobrir o melhor modo de promover a lusofonia. Sem grande sucesso até ao momento. Soubemos agora que a organização desvirtua aquele desejo. A solução, estranha à partida, é precisamente a desorganização. Se preferirem, a desarrumação.
É verdade: basta ser desarrumado. Isso e espalhar uns discursos numa sala cheia de altos dignitários estrangeiros. Uns minutos depois e certamente que um deles vai comecar a lê-los por engano
Os leitores que acompanham as reuniões do Conselho de Segurança da ONU assistiram, esta semana, a um momento de grande prestígio para o nosso país. É certo que só durou três minutos ( e desde quando é que o tempo de duração se relaciona com o prestígio, qualquer que ele seja? ) e deveu-se a um engano bastante caricato, mas prestígio é prestígio, ora essa.
O ministro dos Negócios Estrangeiros indiano dirigiu-se à câmara, exprimindo o seu mais profundo regozijo por haver atualmente dois membros da comunidade lusófona naquele órgão. A lusofonia foi celebrada por um dirigente indiano com um entusiasmo que os dirigentes lusófonos não costumam exibir. Para lá das ligações históricas com esse país, não esquecemos os lugares cimeiros da Índia nos rankings escolares. Por isso, a sala comoveu-se. Bom, talvez a parte da sala que fala português. Quero dizer, a parte da sala que não estava a dormir.
Tal apreço pelo português indicava três coisas: que ainda estamos vivos, a importância do nosso idioma e, não menos importante, que o ministro dos Negócios Estrangeiros português tinha deixado o seu discurso em cima da mesa e o ministro indiano - que, como é evidente, não tinha ouvido o discurso do ministro português nem tinha escrito o seu - começou a lê-lo. Infelizmente para todos um dos seus assessores, três minutos depois, deu pelo erro e fez com que ele passasse a ler o discurso certo. Que, surpreendentemente, não fazia qualquer referência à comunidade lusófona, antes começando com uma citação de Gandhi. E foi assim que, pela primeira vez na História, alguém, numa intervenção pública, citou primeiro Luís Amado e depois o Mahatma. E reparem que não existirão muitas pessoas no mundo que se poderão orgulhar do mesmo…
E eis como, com este episódio, podemos aprender e até explicar alguns aspectos da nossa crise. Se um dirigente indiano pode ler discursos portugueses por engano, é possível que um dirigente português ande a ler discursos indianos sem se aperceber.
Por exemplo, ainda na semana passada se soube que, em 2010, os bancos tinham pago menos 55% de impostos do que em 2009, ano em que, no primeiro semestre, já tinham pago menos 30% de impostos do que no mesmo período de 2008. Tais notícias sugerem que Sócrates pode ter implementado, inadvertidamente, medidas indianas no nosso país.
Parece-me que esta situação de privilégio demonstra claramente que alguém introduziu por engano o sistema de castas na política portuguesa. Por isso, creio que é urgente acabar com este intercâmbio de discursos entre Portugal e a Índia.
Que se ‘dane’ a lusofonia.

Nova Aliança, 5 / Março / 2011

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