5.7.11

A agressão das duas adolescentes e Martin Amis

31 de Maio – Não acredito que o leitor não tenha visto o filmezinho em que duas adolescentes espancam uma terceira junto a um centro comercial de Benfica. E quem mais se esforçou para que toda a gente o visse foram os outros adolescentes que testemunharam a cena, registaram-na no vídeo do telemóvel e publicaram-na imediatamente no Facebook. E os jornais televisivos que a transmitiu não sei quantas vezes no noticiário enquanto uma jornalista (em off) descrevia o horror que aquelas imagens devem suscitar.
Sobre o episódio, julgo não hver muito a acrescentar. As imagens falam por si. Histórias de proezas idênticas surgem com crescente frequência mas apetece-me comentar o comentário da jornalista em questão, que encerrou a "peça" confessando a estranheza que lhe suscita a selvajaria de uma geração que, cito de memória, tem tudo para não ser selvagem.
Eu até compreendo, em Portugal todos somos especialistas em Educação. Mas a senhora estava à espera de quê? Uma escola "inclusiva" e reduzida a depósito da criançada? Professores sem autoridade e vontade? Pais que não educam por incapacidade ou demissão? Consolas de jogos? Telemóveis? O Magalhães?
Até parece que o universo em peso parece conspirar de modo a facilitar, ou a incentivar, a fúria animal das meninas de Benfica. Ao contrário da senhora jornalista, o que me espanta é o facto de ainda haver adolescentes que não passam os seus dias a pontapear o semelhante. Ou talvez passem e não chegam ao Facebook. Ou chegam ao Facebook e os telejornais não notaram. Ou notaram e eu não reparei nos telejornais, que têm tudo para ser úteis e afinal… são isto.
3 de Junho - Gosto de Martin Amis. Dos ensaios e dos romances. Penso que, depois de Gore Vidal, não existe pena mais inteligente sobre livros e literatos.
Ora, é pena que, ao natural, Amis não tenha a mesma elegância. Agora, conta o "The Sunday Telegraph", o escritor inglês desceu o chicote sobre a Família Real em declarações à imprensa francesa. "Filistinos", diz Amis. E porquê?
Logicamente, porque ignoram a importância de Martin Amis no esquema geral do mundo. Pior: nem sequer conhecem a sua obra literária. "A rainha não escuta ninguém", diz Amis, que teve encontros formais com a rainha e percebeu, pelo olhar enfadado da senhora, quão insignificante ele era.
O mesmo com o marido, o duque de Edimburgo. "Sou escritor", disse-lhe Amis. O duque, espantado, replicou: "A sério?"
As palavras de Martin Amis têm interesse porque não é todos os dias que vemos um "snob" lambendo as feridas em público. E uso o termo "snob" no sentido em que ele era usado para hierarquizar os alunos na universidade de Cambridge no momento da matrícula: depois do nome, aparecia a condição social. Para quem não nascera em berço aristocrático, um "sine nobilitas" ("sem nobreza", i.e., "s.nob") arrumava com o sujeito.
Exatamente como Amis se sente arrumado, prova acabada de que o "filistino", na verdade, é ele. Se Amis não concedesse à Família Real importância alguma, jamais haveria semelhante exibição de vaidade e ressentimento. Para os neutros em matéria monárquica, a existência dos Windsor é, quando muito, um anacronismo pitoresco do qual não exigimos reconhecimento ou aplauso.
Mas Martin Amis quer reconhecimento e aplauso. E apesar de deplorar a histeria mundial com o casamento real do passado dia 29 de abril, ele não se distingue das multidões sentimentais que encheram Londres para saudar William e Kate.
A única diferença é que as multidões aplaudiram os noivos. Amis, se pudesse, atirar-lhes-ia tomates ou ovos podres. Duas formas de paixão são duas formas de paixão.O leitor, que intimamente também alimenta iguais sentimentos de amor e ódio pela instituição monárquica, sabe do que falo.
Para concluir, Amis confessa ainda, em tom dramático, que gostaria de não ser inglês. Pobre Martin. Só um perfeito inglês teria uma relação tão intensa e patológica com a primeira das famílias nativas.

Nova Aliança, 9 / Junho / 2011

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