5.7.11

As viagens em 'económica', as viaturas dos gestores e o aquecimento global

4 de Abril – Há coisas engraçadas. Quando as viagens de avião dos eurodeputados eram pagas ao quilómetro, eles escolhiam ir em turística. Pudera, convinha nessa altura. Depois, passaram a ser reembolsados só mediante a entrega do bilhete e começaram a viajar em executiva. Obviamente interessava a mudança. Esta semana, o eurodeputado português Miguel Portas (do BE) fez uma proposta para que as viagens de avião com menos de quatro horas fossem só em turística. Em tempo de crise, a proposta fazia poupanças públicas (por exemplo, um Lisboa--Bruxelas ficava três vezes mais barato). E, além do mais, tinha sentido nos tempos que correm:... Ora, o Parlamento de Estrasburgo votou contra (402-216), confirmando o egoísmo dos que ‘podem’ explorar o próximo ("temos de apertar o cinto: apertem!"). Havia, porém, uns eurodeputados em condição especial, os portugueses, que votavam na mesma semana em que o seu país foi oficialmente para todos os efeitos dado por falido. Desses, esperava-se, pelo menos, oportunismo ou fingimento. Exigia-se deles um faz-de-conta sem mácula. Mas votaram assim: 9 a favor e 9 contra. Quem quiser vá às notícias ver a que correspondem em grupos políticos. O importante, mesmo, foi 9 agarrarem-se ao seu privilégio do aperitivo antes do descolar. No fundo, foram ‘coerentes’.Terem-se agarrado a isso em troca de se exporem demasiado releva uma sinceridade preocupante: mostraram desprezo pelos seus eleitores e não se importam.

10 de Abril - A notícia veio no Correio da Manhã do dia 1 de Abril e eu, que sou um ingénuo, julguei que se tratava de uma mentira própria do dia: a administração da Carris ter-se-ia autocontemplado, em 2010, com quatro viaturas topo de gama em ALD, apesar de a empresa apresentar um "buraco" financeiro de 776,6 milhões de euros.
Todos sabemos que a generalidade das empresas públicas cumpre a patriótica tarefa de dar emprego a "boys" e "girls" do PS e do PSD. Por isso mesmo, a última aliança parlamentar dos dois partidos-comadres antes da zanga foi para chumbarem na AR uma proposta no sentido de, em tempos de crise, haver também limites para os salários, prémios e mordomias várias dos chamados gestores públicos.
Sendo a paciência dos contribuintes e eleitores ilimitada, os salários e prémios dos "boys" continuam a não ter, na prática, outros limites senão os da decência dos próprios. Daí que, além dos novos Mercedes, Audi e BMW, os administradores da Carris também se tenham aumentado em 2010, premiando-se por terem conseguido o milagre económico de afundar nesse ano a empresa com mais 42,3 milhões em resultados negativos.
Compreendem agora a minha ingenuidade. É ou não esta uma boa peta do 1 de Abril? Só que hoje, em Portugal, 1 de Abril é sempre que um homem quiser. E, nos últimos anos, tem sido todos os dias.
12 de Abril – Não desesperem, ainda há boas notícias. Parece que um "número recorde" de 134 países aderiu à edição deste ano da Hora do Planeta e desligou as luzes entre as 20.30 e as 21.30 de sábado a fim de sensibilizar o mundo para, cito, "os perigos do aquecimento global".
Compreendo o problema. Também acho necessário sensibilizar o mundo, que é casmurro, para os perigos do aquecimento global, da gripe A, dos papões do FMI e de outras coisas imaginárias e assustadoras. Mas não, não apaguei a luz, não senhor.
Todavia, contribuí à minha maneira: dado que evitei perder dezenas de horas a publicar convocatórias alusivas ao "apagão" no Facebook, no Twitter, nos blogs, e acabei por poupar muito mais electricidade do que os militantes que participaram activamente na causa.
Dessa forma, participei passivamente no combate a outra calamidade, menos fictícia e popular: a crendice colectiva que, ao contrário do aquecimento global ou dos fantasmas, provoca-me um medo desgraçado. Uff!


Nova Aliança, 14 / Abril / 2011

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