5.7.11

A aterragem de emergência e Terry Jones

16 de Abril – Podem não acreditar mas juro que é verdade. E juroporque li. Ontem, um jornalista foi esperar os passageiros do voo Rio-Lisboa que teve de fazer uma aterragem de emergência em Salvador. Lembram-se do caso? Houve uma explosão, sentiu-se cheiro a queimado, viu-se fumo na cabina, até que o avião aterrou na pista cercada por ambulâncias e carros de bombeiros. Que susto, não é? Podem crer mas a história não acaba aqui. No texto da agência publicado pelos jornais, cito o parágrafo a seguir ao susto: "O pior mesmo, segundo o testemunho [de uma] passageira, passou-se já em pleno aeroporto de Salvador..." E a testemunha, confirmada por outros passageiros, insistiu (e os jornais publicaram e eu li ): "Aí é que foi pior..." Ali, no aeroporto de Salvador. Ali, pois, aconteceu o indizível mesmo para as pessoas curtidas por uma quase desgraça recentíssima. Mas aconteceu, o quê? Uma bomba, como a da ETA em Barajas? Um homem-bomba, como recentemente no moscovita aeroporto de Domodedovo? Racketing da polícia como no aeroporto de Kinshasa?... Vou directo ao horror sofrido pelos passageiros: "Estiveram até depois das 06.00 até que foram transferidos para um hotel." Vocês dão-se conta da ironia da história? Horas até ser transferido para um hotel! Outro qualquer tinha ido para o bar comemorar não ter ido para o galheiro e escapava-me a oportunidade de pôr nos meus cartões de visita: "Fulano de Tal - Ex-sobrevivente de uma transferência demorada para um hotel em Salvador." Claro que nunca me faltaria conversa nos jantares sociais.


19 de Abril – O nome de Terry Jones diz-vos alguma coisa? Eu relembro: Jones, pastor na Flórida, ameaçou em tempos que queimaria o Corão por considerar o livro nefasto e diabólico. Felizmente, acabou por desistir da ideia e, dessa maneira, regressou ao justo esquecimento de onde nunca deveria ter saído.
Por pouco tempo, vê-se agora. Recentemente, Jones voltou ao local do crime e queimou mesmo o Corão. Os meios de comunicação norte-americanos, dessa vez, ofereceram reduzido palco ao pastor. Mas um discurso do presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, condenou o ato e voltou a trazer Terry Jones para o mundo dos vivos. Ou, melhor dizendo, dos mortos: na cidade afegã de Mazar-i-Sharif, um ataque a funcionários da ONU provocou 7 vítimas. Em Kandahar, mais 9, sem falar de incontáveis feridos, destruição de lojas, escolas e carros. E no Ocidente?
No Ocidente, é provável que o digníssimo leitor se sinta indignado pela atitude de Jones, questionando seriamente: por que motivo o pastor ofendeu a religião dos outros?
Não tenciono desculpar Terry Jones, que merece tratamento psiquiátrico e não defesa pública. Mas, em vez dessa, talvez devessemos fazer a perguntaa pergunta: será razoável matar e destruir porque alguém queimou o Corão do outro lado do mundo?
Responder a essa questão não é difícil. Basta que o leitor faça uma inversão de papéis e, mesmo sendo profundamente cristão, imaginar por momentos o que faria se um tresloucado afegão queimasse a Bíblia por considerar o texto herético.
Aposto que não sairia por aí decidido a matar e a destruir ( afinal de contas, tenho em grande conta o meu leitor… ). Existe uma diferença fundamental entre queimar livros e queimar gente. Ou não existe?
Terry Jones, no seu fundamentalismo bacoco e fanfarrão, é com certeza um personagem doente. Mas nessa história do Corão queimado é preciso não esquecer onde está a verdadeira doença.O leitor sabe do que eu estou a falar…


Nova Aliança, 28 / Abril / 2011

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