10.2.10

A lei da violência conjugal e ainda os exames a estrangeiros

6 de Janeiro - Em Espanha, um juiz denunciou o sentido único da Lei da Violência de Género, aprovada em 2004 e dedicada a punir em exclusivo os maus tratos dos homens sobre as mulheres. Em Portugal, há uns tempos atrás, o provedor dos leitores do Público lamentou a diferença na cobertura do diário a um homicídio da esposa pelo marido (chamada de primeira página) e a um homicídio do marido pela esposa (quatro linhas interiores).
É notável que, no Ocidente do século XXI, a emancipação feminina tenha de voltar a ser defendida e, ainda por cima, o seja por uns poucos excêntricos, sozinhos contra a nova misoginia emergente. Os exemplos citados mostram o modo como, décadas após a igualdade que tanto lhe custou alcançar, a fêmea da espécie se vê devolvida ao estatuto de penduricalho decorativo. Na justiça e na imprensa, a corrente histeria em volta da violência doméstica toma por adquirida a culpa do homem, sem dúvida na presunção de que o "sexo frágil" nunca reage a um conflito conjugal mediante tiros de caçadeira ou qualquer outro método desagradável. Provavelmente, acha-se que uma senhora é demasiado tontinha para carregar uma arma e demasiado inofensiva para premir o gatilho. Mesmo nos casos em que o marido é encontrado na cama com seis balas nas costas, a moralidade dominante inclina-se para o suicídio ou morte "natural" ("Ele devia estar a pedi-las"): o único papel disponível à mulher é o de vítima, estatuto que confere vantagens em divórcios litigiosos e não confere mais nada, incluindo humanidade.
A velha escola da discriminação desumanizava as "minorias" para as oprimir às claras. Nos subtis dias que correm, face às mulheres e ao resto, a desumanização das "minorias" é uma tendência comum aos que berram em seu alegado favor. Entre o berreiro, só os "inimigos", leia-se os indivíduos do sexo masculino, heterossexuais, caucasianos, etc., emergem como pessoas inteiras, capazes dos actos medonhos que também definem a espécie. Pela minha parte, obrigadinho, mas não alinho na sugestão de que o exercício de atrocidades está vedado a mulheres, homossexuais, pretos e similares grupos do catálogo em que o politicamente correcto armazena pessoas maiores e talvez vacinadas.
Além de mentiroso, o pressuposto é vexatório, na medida em que reduz as "minorias" ao tipo de clichés que afirma combater. As mulheres são passivos sacos de pancada. Os gays são criaturinhas festivas e frágeis, carentes de um aval do Estado para consumar uma atracção. E os pretos são condenados ao gueto da pequena delinquência "romântica" e a expressões de subjugação social, género capoeira ou hip-hop, para consumo, e consolo, do senhor branco.
Tudo isto, afinal, se inscreve na Síndroma Lorosae. Quando a independência de Timor era por cá "causa" obrigatória, era igualmente obrigatório tratar os timorenses de "dóceis" e "meigos" para baixo, adjectivos normalmente reservados a cachorrinhos e destinados a suscitar pena universal. Mal se percebeu que os timorenses eram gente e que a sua "docilidade" não os impedia de se chacinarem mutuamente, a "terra do Sol Nascente" saiu das notícias, nas quais, para evitar choques de realidade, as mulheres homicidas e o bom senso nem chegam a entrar.
13 de Janeiro – Regra geral, a cantiga de que os portugueses não valorizam o que têm de bom é uma desculpa para não se criticar o que temos de péssimo. Às vezes, curiosamente, a cantiga é verdadeira.
Veja-se o sucedido com os exames de português para imigrantes, de que, afinal, uma considerável parte não era realizada pelos candidatos à aquisição de nacionalidade, mas por familiares, amigos ou prestadores de serviços contratados. O SEF reparou na fraude e deteve noventa e tal sujeitos. Incompreensivelmente, não houve autoridade que reparasse no que de facto interessa: o pormenor de que existe por aí gente com um domínio mínimo da nossa língua, raridade que, ao invés de cadeia, devia dar direito a cargos de responsabilidade nos sectores privado e público, incluindo, a julgar pelas limitações verbais de um antigo secretário de Estado da Educação, no próprio Governo. Prender esses indivíduos é desperdiçar recursos de que o País carece e que, dada a exigência nula dos respectivos testes, os meninos e meninas do ensino secundário não prometem preencher.
É possível, admito, que a aparente taxa de sucesso nos exames para estrangeiros se justifique pela sua facilidade. Ainda assim, não podem ser tão fáceis quanto os do "secundário", ou então qualquer cidadão do Burkina Faso chegado anteontem à Portela os teria feito. E, como a bem intencionada porém cega acção do SEF revelou, não os fez.

Nova Aliança, 4 / Fevereiro / 2010

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