12.4.10

A culpa dos feriados, a bandeira de Paredes e a força do 'povo'

18 de Fevereiro – A Associação Empresarial de Portugal (AEP) descobriu a causa do subdesenvolvimento português: os feriados. A melhor forma de reagir ao “período excepcionalmente difícil” que o país atravessa, segundo o vice-presidente da AEP, é cortando nos maléficos feriados. Nem é preciso grande esforço, de resto. Os empresários já fizeram as contas: depois do recurso à máquina de calcular, concluiram que Portugal tem mais dois feriados do que a média da União Europeia. Dois! Dois dias inteirinhos de trabalho que são desperdiçados com cnsequências catastróficas para o país – é essa a singela diferença que nos separa da riqueza da Alemanha. Com mais de 16 horas de trabalho por ano, acabaria o défice, o desemprego e o sobreendividamento. Só há um pequeno detalhe que estraga este raciocínio. É que a experiência das paragens para um cafezinho e das mensagens no Facebook indicam que o problema não é que os portugueses fazem quando não estão a trabalhar – é o que eles não fazem quando estão.

22 de Fevereiro - Está a causar certa polémica a decisão da Câmara de Paredes em erguer um mastro com cem metros de altura e uma bandeira nacional na ponta. Não percebo a razão. O edil lá do sítio, eleito nas listas do PSD, explica, e muito bem, que a bandeira visa comemorar o centenário da república e que o mastro visa "georreferenciar" (sic) o concelho. Ao contrário dos adversários do projecto, defendo que a república deve ser comemorada e sobretudo que Paredes deve ser "georreferenciada", até porque, a olho nu, não conseguiria encontrar semelhante lugar mesmo que quisesse.
Sem surpresa, o problema das más-línguas prende-se com o custo da obra: um milhão de euros. Com surpresa, as maiores más-línguas pertencem à oposição autárquica e invocam a ofensa aos contribuintes, de cujo bolso o mastro fatalmente sairá. Se não me engano, é a primeira vez que vejo socialistas preocupados com o destino do dinheiro alheio. O espanto aumenta quando um dos socialistas em questão se chama Artur Penedos (um nome familiar, nos dois sentidos) e é, além de vereador em Paredes, assessor do primeiro-ministro.
Aparentemente, o convívio com o eng. Sócrates não atirou o sr. Penedos para as leituras de Keynes e não lhe ensinou uma verdade irrefutável: o investimento público é essencial ao desenvolvimento do país, logo, por maioria de razão, ao desenvolvimento de Paredes. Como inúmeras das maravilhas que o eng. Sócrates diariamente publicita, o mastro com bandeira colocará Portugal na vanguarda da Europa em matéria de mastros e bandeiras, dinamizará a economia local através do turismo, estimulará a auto-estima dos autóctones mediante a elevação quase celestial da esfera armilar e, não satisfeito, criará empregos, no mínimo dois: um para subir e descer o pavilhão, outro para afugentar os cães que pretendam urinar na base da estrutura. Se o mastro é menos veloz que o comboio de alta velocidade, será inequivocamente mais alto, e 15 mil vezes mais barato.
19 de Março - Pouco depois da agressão a Berlusconi, um blogue português explicava o sucedido: "O que a democracia não resolve, resolve o povo!" A distinção é velha, e sempre engraçada. Uma coisa é o processo democrático, legitimado por massas alienadas que tendem a resignar-se à "normalidade" liberal. Outra coisa, muito mais bonita, é o "povo" enquanto entidade mítica. Não importa se o "povo" é formado por milhões, milhares ou centenas de pessoas. Aliás, não importa se o "povo" consiste apenas numa única criatura. Importa é que realize os nossos sonhos, incluindo o de espatifar o rosto de um velho ou, de modo genérico, o de arrasar os símbolos da "opressão" que estiverem a jeito.
É evidente que o "povo" com dinheiro e tempo disponíveis esteve em acção nas ruas de Copenhaga, vagamente a pretexto da recente Cimeira do clima. Aí, na falta de um estadista desprotegido, a fúria libertadora aliviou-se, sob a forma de pedregulhos, na polícia e em edifícios públicos. Parece que a palavra de ordem era "Queremos justiça climática!", embora o conceito, de tão absurdo, pudesse ter sido substituído sem prejuízo por qualquer frase, incluindo "Não gostamos de goiabada!" ou "Viva o chapéu de aba larga!". Durante a destruição, uma "activista" feliz berrava com maior precisão: "Isto é o que uma democracia deve ser!", por oposição, deduz-se, ao aborrecimento de colocar o voto na urna e acatar a vontade da maioria.

Nova Aliança, 18 de Março de 2010

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