12.4.10

O exemplo que chega da Irlanda e as empresas de avaliação de risco de crédito

A consciência moral de meio mundo despertou para a história de Iris Robinson, a deputada e mulher do primeiro-ministro da Irlanda do Norte que, aos 59 anos, deu umas cambalhotas extraconjugais com um rapaz de 19 e, ao que consta, se serviu da posição (política, nada de segundas intenções) para financiar o bar do amante. A justiça local pegou no lado corrupto da questão. A justiça popular de toda a parte preferiu naturalmente o lado pícaro e, além de elaborar vistosos trocadilhos com a adúltera homónima do filme A Primeira Noite (e a canção de Paul Simon feita para o filme), desatou a condenar a sra. Robinson pela aventura sexual.
A condenação merece um ou dois comentários. Há uma quantidade notável de políticos infiéis que se safaram sem mácula, ainda que as consequências da infidelidade fossem ligeiramente mais graves que a abertura de um bar. Um exemplo moderado é o de Bill Clinton. Um exemplo extremo é o de Edward Kennedy, que, em Julho de 1969, conduziu não demasiado sóbrio o seu carro para o fundo de um lago. No carro seguia, e lá ficou até morrer, uma "amiga" do senador. O senador fugiu. O escândalo não impediu que Kennedy sobrevivesse biológica e politicamente ao acidente e que, 40 anos decorridos, as elegias fúnebres de Agosto passado o pintassem como um santo. Já a carreira da sra. Robinson (e, talvez, a do marido) terminou dias após a divulgação do seu pecado. O que explica a diferença de tratamento?
O problema, se bem percebo, passa pelas convicções, sinceras ou simuladas, da sra. Robinson. Antes do deslize amoroso, ela cometeu o deslize de confessar fé cristã e simpatia pelos "valores familiares". Pior ainda, em 2008 produzira umas afirmações desagradáveis acerca da homossexualidade. Isto, somado ao affaire, chega e sobra para transformar a senhora numa "hipócrita". Na América, embora obviamente não só na América, a detecção da "hipocrisia" em políticos conservadores é um dos desportos preferidos da esquerda, sob o argumento de que a vida privada deve corresponder escrupulosamente aos ideais professados na vida pública. Podia-se inferir daqui que, em nome da coerência, os ideais públicos de Clinton incluíam o abuso de funcionárias e os de "Ted" Kennedy a embriaguez, o homicídio e a fuga. Mas é melhor dar um desconto, e apenas notar que atrás de imensos progressistas se esconde um inquisidor e uma fogueira acesa.
Quarta-feira, 13 de Janeiro
Sem dinheiro não há palhaços?
A Moody's, que é uma das maiores empresas mundiais de avaliação de risco de crédito, é outra entidade a prever a "morte lenta" (sic) da economia portuguesa, caso o défice continue descontrolado. Por sorte, o ministro das Finanças não liga a profetas da desgraça e prefere os números do sempre credível, amigo e optimista Banco de Portugal. Fundamentado em tais números, Teixeira dos Santos chamou os jornalistas e, pela 629.ª vez, anunciou o fim da recessão. É verdade que o dr. Teixeira dos Santos também admite a existência do défice e promete combatê-lo. Como? Através de "estímulos à actividade económica", leia-se investimento público, o que é o mesmo que curar um traumatismo craniano com marteladas na cabeça.
Reduzir a dívida mediante o aumento da dívida é um método peculiar, cujos resultados, de resto, são evidentes na actual situação do País. Em larga medida, o País atingiu os fundilhos actuais porque o Estado gasta acima, muito acima, do que tem e pode. O dr. Teixeira dos Santos quer que o Estado gaste ainda mais, coisa que suscita menos dúvidas sobre o nosso futuro do que sobre o presente do dr. Teixeira dos Santos e do Governo a que pertence.
Pelo renovado ânimo com que reage a cada confirmação do seu fracasso, já se percebeu que o Governo frequenta uma realidade própria e não partilhável. Falta perceber se o alheamento é deliberado ou natural. Dito de maneira diferente, convinha apurar se o Governo deseja conscientemente espatifar o que resta disto ou está de facto convencido da bondade das medidas que regularmente toma. A primeira hipótese revela uma crueldade peculiar; a segunda, uma inépcia sem grandes precedentes. Claro que as consequências de ambas são idênticas, mas seria útil entender se estamos nas mãos de sádicos ou de incompetentes, nem que fosse para escolhermos entre o papel de masoquistas e o de palhaços - pobres, escusado dizer.

Nova Aliança, 1 de Abril de 2010

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