30.4.10

A tolerância de ponto e a bravura

15 de Abril - Não podíamos passar ao lado disto, a visita do Papa a Portugal deu origem a uma pequena e comovente polémica sobre a tolerância de ponto decretada pelo Governo. Os fanáticos do costume decretaram que pretendiam trabalhar nesses três dias a bem da separação do Estado e da Igreja e – pasme-se – em prol da produtividade nacional que, na sua douta opinião, não pode ser abalada pela visita de um "líder religioso qualquer" que decida deslocar-se ao nosso país. Até a CIP e as centrais sindicais, esses pilares sólidos da nossa economia, se pronunciaram patrioticamente contra a decisão tomada pelo Governo, alertando para a crise em que vivemos e para a necessidade dos funcionários públicos contribuírem, com o seu trabalho, para o aumento da produtividade e para o desenvolvimento da pátria.
É evidente que este reconhecimento súbito do estado em que nos encontramos não deixa de ser salutar, sendo de esperar, nomeadamente por parte de todos os envolvidos, exemplos futuros de responsabilidade e compreensão pela situação em que se encontram as finanças públicas e a economia portuguesa. Ao contrário do que tem sido dito, o que está em causa não é a neutralidade do Estado em relação às diversas religiões, mas a incapacidade de perceber que, num país de tradição católica, o Papa não é um "líder religioso qualquer", como tem sido amplamente referido.
Pretender comparar a visita de Bento XVI à visita de qualquer outro líder religioso (hindu ou muçulmano, como já vi defender) é não compreender a realidade portuguesa e desconhecer totalmente a sua história. Há uma ligação entre o País (e o ocidente, em geral) e a Igreja que um Estado laico deve saber reconhecer. Um Estado laico não é sinónimo de um Estado anti-religioso, incapaz de compreender a dimensão pública da fé. E a crer nalgumas coisas que por aí têm sido escritas, dá ideia de que o Papa, não lhe sendo retirado o direito de viajar pelo mundo, devia ter, pelo menos, a decência de o fazer clandestinamente. De forma a não importunar ninguém. Porque o problema é que este Papa, em particular, importuna.

18 de Abril - Os jornais noticiaram o afogamento de dois rapazinhos numa lagoa artificial nas imediações do Cacém. A informação, focada no apuramento de responsabilidades, dava brevíssima nota do sucedido: de que o primeiro dos rapazinhos caíra à água e de que o segundo, porque o primeiro não sabia nadar, se lançara imediatamente à lagoa, em seu auxílio, enquanto a restante miudagem procurava socorro na vizinhança. Um ‘pequeno’ pormenor. Ele próprio também não sabia nadar. Para além do horror e da tristeza do acontecimento, impressionou-me profundamente a heróica abnegação, ou a extraordinária bondade, ou a coragem desmedida, ou a lição de vida do segundo rapazinho, cujo gesto honra, como poucos, a nossa condição humana. Gostaria de saber o seu nome, para poder escrevê-lo aqui, muitas vezes, todo em maiúsculas, e nunca mais o esquecer. Porque, esse sim, é um nome que merece ser lembrado… Alguém sabe o nome do Rapazinho?

Nova Aliança, 29 de Abril de 2010

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