30.1.15

A prisão

25 de novembro - “Se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade.” Sócrates, o verdadeiro. Acompanhar a actualidade tem as suas vicissitudes. “Não se comenta processos judiciais em curso.” “Não se deve incorrer em juízos precipitados.” “É preciso aguardar que a Justiça siga o seu rumo. “ “Há que levar a sério a separação de poderes.” “ Esta situação é de uma gravidade tremenda.” “ Nenhum indivíduo está acima da lei.” “Todos somos inocentes até prova em contrário.” “O essencial é apurar a verdade.” “Esperemos que o caso esteja muito bem fundamentado.” “Talvez a detenção pública vise humilhar o detido.” “É possível que o DCIAP exagere nas recentes investigações.” “No fim de contas, é o Estado de direito que será julgado.” Etc. Já chega de banalidades? Disse-o aqui muitas vezes e as reacções foram diversas. Uns diziam: “Continue, não tenha medo, ele é ainda pior do que isso.” Outros pediam: “Não siga por esse caminho, o local não é o mais apropriado”. Durante muitos anos muita gente não quis ver, não quis ouvir, não quis ler, recusou tomar conhecimento. Sócrates estava acima disso. Sócrates não tolerava dúvidas. As coisas mudaram. Com algumas dúvidas e confusões. Por exemplo: receber luvas, favorecer este ou aquele, traficar influências, realizar negócios ruinosos para o contribuinte, isso é o regime. Mas ser investigado, detido ou condenado, isso é a crise do regime. Ora, se compreendermos bem tal raciocínio a ideia será: a justiça põe em causa o regime. Logo: salvem o regime: acabem com a justiça. Se essa mesma justiça conseguir provar todas as acusações de que Sócrates é alvo, então há alguns assuntos que devem ser esclarecidos. A saber: como é que a Sovenco, a Progitap, a Resin, os Magalhães, a Cova da Beira, o Siresp, a licenciatura, as casas da Covilhã, o Freeport, o Taguspark, os trinta mil exemplares comprados da sua tese, para não falar já da vida faustosa em Paris num apartamento de três milhões de euros, nunca mereceram alegadamente um total empenho dos poderes justiciários da altura? Que intervenção tiveram os Pintos Monteiros, os Noronhas do Nascimento e as Cândidas Almeidas no rápido apagamento das escutas ao cavalheiro? Convém não esquecer, nesta sociedade líquida de que fala Zygmunt Bauman, os pruridos éticos sempre tão rápidos a surgir quando se fala da Tecnoforma, de Duarte Lima, ou de qualquer outro caso em que o protagonista é de uma cor política da nossa. Agora que surgem no novelo das notícias o Grupo Lena e o alegado engenheiro ( e é bom não esquecer as suas ligações de vários ramos à cidade ), as pessoas embatucam com uma lágrima no canto do olho. Cegos na sua crença, não querem saber se Sócrates é ou não culpado. Mais preocupados com o como do que com o porquê, é a forma como o prenderam. E repetem várias vezes: “às 22h30 e até houve tempo para uma câmara captar uma imagem duvidosa de um veículo qualquer numa rua perto da uma da manhã.” É para eles que dirijo as minhas últimas palavras. Depois do que se passou nos últimos dias, do que já sabemos sobre os contornos do processo e das acusações, do que imaginamos mas ainda não sabemos, a pergunta que muitos têm de intimamente fazer é “como foi possível?”, “como é que acreditei?” Sócrates não é ainda culpado de nenhum crime de corrupção ou branqueamento de capitais. Mas mesmo que o venha a ser convém a todos que não seja apagado do seu legado aquilo que mais prejudicou o país: o conjunto de decisões políticas legais que tomou nos seus 6 anos de governo. Nova Aliança, 28 / novembro / 2014

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