30.1.15

As redes sociais e o Zé

3 de Setembro – Não é preciso estarmos muito atentos para verificar que quem vive numa grande cidade, por vezes, é como se vivesse numa aldeia. Dá-se sempre com as mesmas pessoas, há bairros onde nunca vai, partes da cidade que nem sequer conhece. Um estudo agora realizado com base nas comunicações telefónicas de pessoas residentes em grandes e pequenas cidades no Reino Unido e em Portugal mostra que essa impressão corresponde mais à realidade do que imaginamos. Os resultados foram publicados na revista Journal of the Royal Society Interface. Em vez de se perguntar às pessoas com quem é que tinham falado ao telefone e durante quanto tempo – um método sujeito a erros de avaliação e de memória por parte dos inquiridos, a equipa do português Luis Bettencourt, do Instituto Santa Fé nos Estados Unidos, juntamente com colegas do MIT, com engenheiros informáticos e com especialistas de empresas de telecomunicações europeias, foi directamente buscar os dados quantitativos – e exactos ao pormenor – das comunicações telefónicas. Mais precisamente, os cientistas tiveram acesso aos registos da maioria das chamadas terrestres realizadas no Reino Unido durante um período de um mês, em 2005 – bem como aos de milhões de chamadas de telemóvel realizadas em Portugal durante um período de 15 meses, entre 2006 e 2007. Uma vez retirados quaisquer elementos que pudessem permitir identificar os interlocutores, os cientistas encontraram-se perante uma autêntica mina de ouro de relações interpessoais, completas com data, duração, local da chamada, etc. Os cientistas reconstruíram, a partir dessa massa de dados, redes de interacções telefónicas para cada aglomeração britânica e portuguesa, onde cada pessoa era representada por um nó da rede e as suas comunicações telefónicas por ligações com outros nós. O número de chamadas telefónicas, bem como o número de interlocutores telefónicos, aumentava com o tamanho da localidade de residência. E até aumentava mais do que proporcionalmente. Por exemplo, se uma dada cidade tivesse o dobro dos habitantes de outra, o número de telefonemas e o número de interlocutores dos habitantes da cidade maior era mais do dobro dos respectivos números associados à cidade mais pequena. Porém, a equipa obteve agora um resultado relativamente surpreendente a outro nível. Acontece que, seja qual for o tamanho da cidade onde vivemos, os cálculos mostraram que a probabilidade de que os nossos amigos se conheçam entre si não se altera. Por outras palavras, as nossas redes sociais são todas semelhantes desse ponto de vista – o que, concluem, sugere que os seres humanos se organizam instintivamente em comunidades sociais compactas. E isso se verifica tanto na Lixa, aldeia do Norte de Portugal, dizem os autores – onde 6000 pessoas vivem numa área urbana de apenas três quilómetros quadrados – como na área metropolitana de Lisboa. O que obviamente não impede, enfatizam contudo, que quem vive na Lixa tenha menos margem de manobra para escolher o seu círculo social do que quem vive em Lisboa. “Este é um dos resultados curiosos deste novo estudo”, explica-nos Luís Bettencourt. “Nas grandes cidades, há em geral maiores oportunidades de interacção com mais indivíduos e indivíduos mais diversos. Nós verificámos isso para Portugal (e para o Reino Unido). No entanto, o que vemos também é que as pessoas que conhecemos têm uma alta probabilidade de se conhecerem entre elas – o que quer dizer que, independentemente do tamanho da cidade, criamos redes sociais coesas (como nas cidades pequenas ou nas aldeias). Numa grande cidade, no entanto, essa rede social é mais o produto da nossa escolha e nesse sentido tem um carácter diferente da de uma aldeia.” 10 de Setembro – Não sei se o nome José Sá Fernandes vos diz algum coisa. Não? É natural. Foi aquele senhor que achava que fazia falta e que travou a construção do túnel do Marquês com evidentes prejuízos para todos nós, financeiros e não só. Pois agora o indivíduo teve a ideia de eliminar uns brasões florais das ex-colónias que se encontram na Praça do Império em Lisboa. Parece que estão ultrapassados, diz ele. Mas brasões e tabuletas existem também para lembrar coisas que acabaram. Se vamos acabar com tudo que acabou, a Praça do Império vai na enxurrada, aliás como o seu autor, Cottinelli Telmo, que também tem praça. Outra: a Rua Cidade de Salazar, no Bairro das Colónias. Outra: a ponte chamada de 25 de abril mas construída antes. Outra: o Estádio Nacional no Jamor. Parece um buraco negro: já não há colónias, nem Salazar. Mas se acabamos com coisas que acabaram ou que dizem coisas com que não gostamos hoje, caímos em coisas engraçadas. O Beco da Ré vira Beco da Arguida. O Beco do Carrasco parece morar em Estado Islâmico. O Beco das Beatas pode ser contestado nas duas versões, contra o tabaco e o proselitismo religioso. O Jardim das Pichas Murchas (em São Vicente de Fora) faz contrapropaganda a conhecido produto farmacêutico. A Travessa do Fala-Só é inaceitável em tempos democráticos. Talvez seja esta a democracia ‘safernandesiana’. Nova Aliança, 19 / setembro / 2014

Sem comentários: