16.11.11

A Felicidade

19 de Agosto - Quando, certa vez, perguntaram ao escritor Gonzalo Torrente Ballester o que pensava de determinado assunto, ele encarou o seu entrevistador e atirou: “E o que tem o senhor a ver com isso?”
Podemos falar sobre a Felicidade? Uns dirão: Felicidade, haverá tema mais infeliz? Dou-vos um único conselho: não vale a pena seguir conselhos. Os livros de auto-ajuda que estão por aí na moda são livros de anti-ajuda. O que eles fazem é transformar a felicidade em direito e, coisa pior, em dever. Conheço casos: gente que começou infeliz lendo um desses manuais e, no final da maratona, estava mais infeliz ainda.
Se isso acontece para os indivíduos, o cenário muda de figura para as nações. Infelizmente, para pior… Falar de um "país feliz" é tão absurdo como falar de um "gambozino". Os países não são pessoas. Mas os políticos tentam.
Leio regularmente que, por esse mundo fora, filósofos, psicólogos e economistas estudam medidas públicas destinadas a elevar a felicidade da população. Alguns especialistas, para medir a riqueza de um país, falam mesmo em "Felicidade Interna Bruta" como mais importante que "Produto Interno Bruto".
O "The New York Times" conta até que, nos Estados Unidos, o Censo de Boston começou a perguntar aos habitantes quão felizes eles se sentiam. Estão a ver: a ideia do poder político é reunir respostas, fazer gráficos rigorosos sobre os humores da população - e depois aplicar medidas para tornar o pessoal mais alegre. Sem ser através de químicos no ar ou na água.
É bom deixar já o aviso: nada disso funciona. E não funciona porque a felicidade não existe - no coletivo. Existem felicidades particulares, individuais, muitas vezes intransmissíveis, que não podem ser reduzidas a um denominador comum. Eu sou feliz quando toco harmónica. O meu vizinho é infeliz quando me ouve a tocar harmónica. Definitivamente, caso encerrado.
Afinal de contas, as pessoas não são números. São pessoas: distintas, irrepetíveis. Muitas vezes insondáveis e insolúveis. E aquilo que as torna felizes, ou infelizes, varia de caso para caso e, mais ainda, de momento para momento. De nada vale eu responder ao Censo que me sinto feliz hoje quando, ainda ontem, eu estava infeliz da vida.
Mas a felicidade não é apenas um conceito deslocado para pensarmos politicamente; ele pode ser sobretudo perigoso. A ideia 'utilitarista' de que o governo deve perseguir sempre 'a maior felicidade para o maior número', apesar do seu agradável apelo democrático, pode legitimar situações intrinsecamente desumanas ou imorais.
Se, por hipótese remota, uma comunidade se sente feliz perseguindo judeus, ou negros, ou mulheres, ou homossexuais, ou anões, que podem os "utilitaristas" responder a esse conjunto de preferências coletivas? Acreditar que a vida moral é uma mera questão quantitativa abrirá sempre portas para horrores mil.
O Estado quer "promover" a felicidade? Muito simples: basta que se retire das vidas individuais sem exercer sobre elas qualquer poder paternal, autoritário, totalitário.
Quando um Estado pergunta "quão feliz você se sente?", só é possível responder a isso com uma nova pergunta: "E o que você tem a ver com o assunto?"


Nova Aliança, 3 / Setembro / 2011

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