16.11.11

A 'morte' no serviço público de televisão e o 'eterno' detetive Columbo

1 de Julho – Num dia em que a situação grega está na ordem do dia e o programa do governo é apresentado na Assembleia da República, um dos telejornais abre com imagens do local onde os admiradores de Angélico Vieira estão concentrados.
Tal facto diz muito da ideia que alguns têm da famosa expressão ‘serviço público’. Para o endeusamento que se faz da personagem, não interessa nada que o carro circulasse na via pública sem seguro, ou que a maioria dos ocupantes não tivesse colocado o cinto de segurança.
Também parece não interessar a ninguém saber a que velocidade ia a viatura ou se o condutor apresentava excesso de álcool ou drogas no sangue.
Ninguém falou disso. A comunicação social em peso preferiu a exploração do efeito emocional e ficou por aí.
Sensivelmente na mesma altura morreu o empresário Salvador Caetano. É verdade que o senhor tinha 85 anos ( uma eternidade ) e estava doente ( uma normalidade ), mas a histeria mediática à volta do desaparecimento do jovem artista Angélico Vieira, por contraste com a discrição da notícia da morte do empresário nos órgãos de informação dá-nos um excelente retrato da ordem de valores da sociedade actual.
Por aqui se vê que um jovem cantor e actor - que há meia dúzia de anos era um total desconhecido - é muito mais importante do que um homem que subiu na vida a pulso, construiu um império industrial com a importação de automóveis do Japão, contribuiu para a produção da riqueza nacional e deu emprego a milhares de pessoas. Numa altura, sublinhe-se, em que não havia Internet, fax, telemóveis e em que as chamadas internacionais era principescamente paga.
Por aqui se vê que, para muita gente, é mais importante uma novela de duvidosa qualidade, com adolescentes, do que construir fábricas, criar empregos no país e dar comida a inúmeras famílias.
Apesar de tudo entendo muito bem a reacção dos adolescentes neste caso. A culpa desta inversão de valores nem sequer é deles. É da geração anterior, dos pais, que os educaram assim. Para a diversão e não para o trabalho.

3 de Julho - Há mais de trinta anos, quando a televisão e a leitura preenchiam grande parte dos tempos livres, muitas personagens entravam dentro de casa e ‘exigiam’ um espaço. Peter Falk ( 1927-2011 ) foi um deles. O ‘eterno’ detective Columbo fazia parte da minha adolescência televisiva e ajudou a passar muitos serões na época ( foram 70 episódios ).
O seu modelo de investigação era desarmante, a voz nasalada era um convite ao riso, os modos eram os de um desastrado e desmazelado – havia quem usasse gabardines ‘à Columbo’.
Também era verdade que, enquanto assistíamos aos episódios, na TV, desconhecíamos a ‘teoria da ciência’ do seu método de investigação, e que o aproximaria de um Sherlock Holmes californiano. Peter Falk nunca conseguiu deixar de ser Peter Falk e de se confundir com o talento triste e solitário de Columbo. ‘Só mais uma coisa’, costumava ele dizer no fim para finalmente enredar o culpado. E fazia-o. Columbo ou Peter Falk? Morreram os dois.

Nova Aliança, 7 / Julho / 2011

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