16.11.11

O cidadão anónimo do Cacém, o prémio escolar e os médicos mortos que passam receitas

3 de Outubro – Tão iguais e tão diferentes. Conhecem Isaltino Morais? Claro que sim. Ele esteve um dia preso por erro de uma juíza. É, ainda assim, um homem com sorte. Mário Brites, conhecem? Não acredito. Ele é um anónimo cidadão do Cacém que passou injustamente cinco longos meses atrás das grades. A história mete dois polícias que não merecem a farda, uma procuradora do Ministério Público que vai em conversas e, por fim, um juiz de instrução com escassa argúcia. Um agente da PSP vive em guerra com um vizinho. Uma vulgar questão de condomínio. Arranja maneira de tramar o outro. Apresenta queixa por tentativa de homicídio: jura que o vizinho tentou dar-lhe dois tiros e apresenta um colega como testemunha do crime. A procuradora percebeu, na sua fina inteligência, que Mário Brites, o inocente, mentia e que os dois polícias, mentirosos, falavam verdade - e promoveu a prisão preventiva do denunciado, prontamente aceite por um zeloso juiz. Resultado: Mário Brites passou cinco meses preso - até que a Polícia Judiciária, tarde e a más horas chamada ao caso, deu pela mentira. Parece que vai acabar tudo em bem: os polícias continuam polícias, a procuradora não deixa de ser procuradora e o juiz fica juiz. Ttudo normal…

6 de Outubro – De vez em quando, querem atirar-nos poeira para os olhos quando falam de "responsabilidade social" nas grandes empresas. Os relatórios que dão conta do contributo dos grupos económicos em prol da sociedade nunca deixaram de me parecer uma forma tosca de esconder a má consciência de administradores e directores. Com a decisão do Governo de anular os prémios de 500 € aos melhores alunos do secundário, fiquei convencido de que tinha chegado a oportunidade para os grandes empresários se juntarem aos que dizem que o mérito não pode passar sem reconhecimento. Esperei que uma EDP se adiantasse e chamasse a si a atribuição do prémio… uma Portugal Telecom que viesse dizer não, os melhores alunos têm direito a prémio e sou eu quem o vai pagar; uma Galp que se insurgisse contra a decisão de não premiar o mérito e tomasse como sua essa responsabilidade… mas nada. Foi por isso com enorme alegria que dei conta de que uma pequena empresa de Viana do Castelo, que felizmente desconhece a importância dos relatórios de "responsabilidade social", não quis defraudar as expectativas do melhor aluno da cidade (média de 19,4 valores e entrou em Medicina no Porto) e fez questão de pagar o prémio imediatamente. Senhores António Mexia, Zeinal Bava e Ferreira de Oliveira… que desilusão!...

9 de Outubro - Abençoada troika: desde que chegou, os esqueletos começaram a sair dos armários. Esqueletos metafóricos, como nas contas da Madeira; ou literais, como nos 500 médicos mortos que continuam nas bases de dados do sistema. Mortos ou, pelo menos, com grandes probabilidades de já não estarem vivos, disse o vice--presidente da Administração Central do Sistema de Saúde., não sei se por piada. A verdade é que não sei se deverei ficar descansado com a imprecisão da frase: se o nosso sistema de saúde já não sabe distinguir os vivos dos mortos, que Deus nos ajude a todos. Mas talvez a dúvida do vice-presidente se prenda com a quantidade de receitas que os médicos mortos continuam a passar aos vivos, tal como denunciado pela inspecção-geral. Meros casos de fraude? Admito que sim. Mas também admito que Portugal seja o único país do mundo onde os mortos, por motivos de solidariedade nacional, continuam a dar o seu contributo para sairmos da crise. Alguém devia dizer à sra. Merkel que a nossa falta de produtividade não é coisa do outro mundo.


Nova Aliança, 13 / Outubro / 2011

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