16.4.13

Os animais perigosos, Funcionários e funcionários

2 de fevereiro - Mandam as regras que um animal doméstico que se demonstre perigoso ao ponto de pôr em risco a vida humana tem de ser abatido. Ora recentemente, um cão de uma raça perigosa matou uma criança de 18 meses. Por isso, foi decidido o seu abate. Acontece que 11 mil pessoas assinaram uma petição para impedir uma decisão de evidente bom senso. Dizem os subscritores desta petição: "um cão que nunca fez mal durante oito anos e atacou é porque teve algum motivo". Vamos ver se nos entendemos: Os motivos para um animal matar uma criança são irrelevantes, porque as crianças não podem correr risco de vida, sejam lá qual forem os motivos. A decisão de abater um cão não é uma forma de fazer justiça, mas de segurança. Escrever que "a criança e o cão são os dois inocentes desta história" é pornográfico. Crianças e cães, para os humanos, não estão no mesmo nível. Nenhum animal é abatido por ser "culpado" de nada. Até porque tal conceito é inaplicável a não humanos. Um animal doméstico, se se revelar perigoso para os humanos, não pode conviver com eles. É apenas disto que se trata e não de qualquer ato de justiça. Os donos e pais foram negligentes? Isso sim, resolve-se na justiça. O abate do cão é outra coisa: um cão que mata uma criança com quem convive deixou de ser um animal doméstico. Porque o que o torna doméstico é ser controlável por humanos. Como não pode ser devolvido à vida selvagem é abatido. Não por justiça, mas por segurança. Diz a petição: "Se não se abatem pessoas por cometerem erros, por roubarem, por matarem...então também não o façam com os animais!" A comparação é de tal forma grotesca que chega a ser desumana. Resumo assim: a vida do humano mais asqueroso vale mais do que a vida do animal doméstico de que mais gostamos. Sempre. 8 de fevereiro - O senhor José trabalha há 35 anos na mesma repartição. Funcionário exemplar, uma gripe atirou-o para a cama pela primeira vez na vida. O chefe exigiu-lhe o atestado de doença, prova de como não estava a aldrabar o Estado. De nada lhe valeu a honestidade que sempre provou ao longo dos anos. Ou apresentava o papel ou era castigado no seu vencimento. A senhora Glória é deputada.Há dias foi apanhada a conduzir alcoolizada, com uma taxa bem superior ao permitido por lei. Nos dias seguintes não pôs os pés no trabalho, a Assembleia da República. Atribuiu as faltas a uma doença. O Parlamento já veio dizer que dispensa o seu atestado, visto o regime de faltas ao plenário definir que "a palavra do deputado faz fé, não carecendo por isso de comprovativos adicionais." Um exemplo de como a expressão ‘ou há democracia ou comem todos’ está longe de fazer qualquer sentido. Couto dos Santos, presidente do Conselho de Administração da Assembleia, diz não ser necessário obrigar os parlamentares a apresentar atestado, porque ( não se riam muito, por favor… )"um deputado é responsável pelos seus atos" – não o somos todos? – e, agora vêm as gargalhadas sonoras, é preciso ter "confiança em quem elegemos". 12 de fevereiro - Lembram-se de quando a democracia iluminava Portugal e um funcionário público podia ser saneado por violar os limites admissíveis da opinião? Vá lá, não se mostrem esquecidos. Não foi há muito tempo. Em 2007, por exemplo, um professor viu-se afastado do cargo na Direção Regional de Educação do Norte (DREN) apenas porque partilhara com um colega uma anedota sobre a licenciatura do Enormíssimo Chefe, ironicamente conhecido por "engenheiro" José Sócrates. A diretora da instituição, pessoa de’ respeito’ e pouco apreciadora de comédia e insubordinação, abriu um processo disciplinar ao indivíduo, e o indivíduo, Fernando Charrua de sua graça (que saiu cara), acabou na rua. Agora, um tribunal atribuiu ao prof. Charrua razão e uma indemnização de 12 mil euros, a pagar pelo Estado e não, curiosamente, pela então diretora, uma zelosa criatura chamada Margarida Moreira. O próprio prof. Charrua considera absurdo os cidadãos patrocinarem, cito, "os desmandos e ilicitudes dos agentes políticos" enquanto estes permanecem impunes. Infelizmente, o princípio não se aplica só a pequenas compensações face à prepotência exibida por uma serviçal. Também o poder a sério é causador de inúmeros desmandos e ilicitudes sem que os seus custos sejam imputados aos responsáveis diretos. Por regra, a fatura termina sempre nos nossos bolsos, é imensamente superior a uma dúzia de milhares de euros e, sob diversas perspectivas, justifica o momento que atravessamos. Na medida em que os que arruinaram isto e os que apanham com as consequências da ruína não coincidem, o "caso" Charrua e as suas derivações constituem um rigoroso símbolo da austeridade vigente. Felizmente os tempos são outros e nem tudo é mau. Segundo especialistas vários, o Governo actual é "neoliberal", reaccionário, inconstitucional, fascista e o que calhar, mas pelo menos os professores andam por aí a aliviar-se de ofensas ao primeiro-ministro sem que ninguém seja por isso demitido. E quem diz a docência, diz o povo em geral, hoje livre de insultar os senhores que mandam e, se assim lhe aprouver, de suspirar pelo curioso conceito de liberdade dos senhores que antes mandavam. Nova Aliança, 21 / fevereiro / 2013

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