16.4.13

Os 'nossos' banqueiros

4 de março – Por que razão temos uma boca e dois ouvidos? Provavelmente para ouvirmos mais e falarmos menos. De forma cada vez mais frequente, verifico a pertinência deste ‘conselho’. Vejamos três casos recentes. "Se não sabem o que fazer, ponham metade dos desempregados a abrir buracos e a outra metade a tapá-los. O que interessa é que estejam ocupados". É esta a proposta de João Salgueiro - banqueiro e ex-ministro, responsável também pela situação a que chegámos - para "oferecer às pessoas uma oportunidade de trabalhar, em vez de ficarem a vegetar, marginalizadas". Pode ser na construção civil ou nas matas, tanto faz. O importante é que ‘não chateiem’ ( aspas minhas ). Repare-se que o senhor não propõe trabalho desqualificado para garantir emprego para todos. Que não defendeu trabalho inútil para criar emprego pago que faça a economia andar. O objetivo é só este: ocupar as pessoas, como se de adolescentes rebeldes e em risco se tratassem. Entretanto, Filipe Pinhal, antigo presidente do BCP, saído da instituição bancária por causa de alguns escândalos relacionados com off-shores e manipulação de ações em bolsa, que recebe uma pensão de 70 mil euros de um banco em estado de coma, anunciou que vai criar o Movimento de Reformados Indignados. Será, pelo menos nos montantes da sua reforma, um movimento de peso. Mas o facto de fazer este anúncio diz qualquer coisa: que o senhor está completamente a leste do que a esmagadora maioria dos reformados (da banca e não só) pensará sobre ele e a sua reforma. Se juntarmos a estes dois as conhecidas e repetidas declarações de Fernando Ulrich (a quem alguns chamam ‘ultrarico’ e que queria os desempregados a trabalhar à borla para o seu banco), são três bons retratos de um certo grupo social: essa nova classe de gestores financeiros, que sugam os bancos que por sua vez sugam os clientes e os cofres dos Estados. Trata-se de gente que enriqueceu com as propostas do dinheiro fácil e criadores de um capitalismo não produtivo e economicamente inviável. No seu mundo virtual, deixaram de ser capazes de distinguir o certo do errado, o razoável do impensável. Nada os liga à sociedade. Quando comparados com os velhos capitalistas industriais (ou até com os banqueiros propriamente ditos), estes gestores são uma subespécie sem consciência política, social e moral de qualquer espécie. Nem empresários, nem assalariados, nem capatazes. São uma coisa híbrida que cresceu na lama da economia. Ao contrário do velho capitalista industrial, o grande gestor das instituições financeiras não segue uma ética política social própria. Não pode sequer defender a sua conduta usando o argumento da criação de riqueza ou de emprego. Nem sequer foi, em geral, criador das instituições que dirige. Não tem obra e não produz. Está apenas de passagem. É, resumindo, de todos os pontos de vista, um parasita. Os limites aos bónus dos gestores da banca, definidos pela União Europeia, são o primeiro sinal de uma revolta cívica contra esta nova espécie de marginal económico. E que terminará com uma pergunta que até já nos Estados Unidos se faz (e no passado se fez muitas vezes): pode toda a economia ficar refém de uma minúscula elite financeira, que põe em perigo os Estados, as economias e até a sobrevivência do próprio capitalismo? A resposta parece muito simples: não é possível permitir que um grupo que claramente, pelo excesso de poder que conquistou, já perdeu a noção da realidade, sugue todos os recursos, públicos e privados. E que se for necessário o Estado deve optar por uma posição de força. Que pode ir de uma regulação mais musculada até à nacionalização efetiva da banca intervencionada (não nacionalizando apenas os prejuízos), passando sempre por esta ideia: nos tempos que vivemos, os Estados não podem deixar de controlar a atividade financeira. Não é ideologia. É uma questão de sobrevivência. As crises fazem quase sempre estalar o verniz em que a vida em sociedade se sustenta. Com a banca completamente dependente do controlo político que mantém sobre os governos e as instituições públicas (numa verdadeira economia de mercado, grande parte dos bancos europeus já teriam falido), os homens que realmente governam o mundo e o País passaram a ter rosto e voz. Pelos seus atos recentes, percebíamos que estávamos perante sociopatas. As suas palavras tresloucadas e tontas apenas o confirmam. Nova Aliança, 20 / março / 2013

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