16.4.13

Os filhos do zip-zip, Óscar Lopes e Natália Correia

25 de março - Os Filhos do Zip-Zip’ (Esfera dos Livros), de Helena Matos, chegou às livrarias. Num país sem memória, ou que a despreza e frequentemente adultera, Helena Matos evoca, através de recortes de jornais, fotografias e publicidade da época, a transição portuguesa para os nossos anos setenta. Há gente que se lembra de como o ‘Zip-Zip’ marcou a sua vida – e gente que não se recorda do programa de televisão de Raúl Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Mas o país está lá, no fundo das recordações: guerra colonial, futebol, Vilar de Mouros (com Elton John em 1971), cigarros Kart, a fabulosa Dyane 6, Tulicreme, drogas, Procol Harum, J. Pimenta, ‘Simplesmente Maria’ e os bonecos do ‘Riso Amarelo’. Para alguns, esta evocação é pura nostalgia; na verdade, é o ‘Portugal futuro’ que já ali aparece desenhado. Nem de propósito, atravessamos uma época especial: os filhos do Zip-Zip estão a abandonar o poder. Façam contas. 29 de março - Depois de, em 2011, ter publicado as cartas trocadas entre António José Saraiva e Luísa Dacosta, a Gradiva lançará muito em breve um volume reunindo a correspondência pessoal entre Saraiva e Teresa Rita Lopes. Boa ideia. O que tem isto a ver com Óscar Lopes? Praticamente tudo. Num mundo dominado pelo interesse no espetáculo, com a sua velocidade e indigência, o nome de Óscar Lopes está naturalmente confinado ao círculo da gente com memória, apesar de ter marcado várias gerações com os seus livros. Lopes (leia-se o magnífico e comovente poema de Vasco Graça Moura sobre “um senhor de Matosinhos”) foi um sábio. O seu trabalho circulava entre a literatura, a estética e a linguística, mas convocava toda a sua experiência de contacto com outros saberes (até a matemática); isso fez dele um dos nossos grandes professores, ocupação hoje caída em descrédito. A monumental História da Literatura Portuguesa, que escreveu com António José Saraiva, foi uma das peças da sua grande intuição e do seu edifício harmonioso – e toda a sua obra é um combate pela cultura (veja-se este título, A Busca de Sentido), contra a ignorância, a leviandade e a falta de inteligência. É bastante. 31 de março - Passaram vinte anos sobre a morte de Natália Correia. Não vale a pena praticar o exercício do anacronismo – por exemplo, pensar no que hoje diria Natália sobre o nosso país. A autora de ‘Não Percas a Rosa’ disse-o em vida, na época, e com aquela veemência que nunca conseguiu fixá-la a uma redoma ideológica, de janelas fechadas para o exterior. Pessoas como ela fazem falta porque nunca podem ser substituídas; nem a sua poesia, nem os seus textos de intervenção mais imediata, nem o seu sarcasmo, nem a sua tentação de desancar a pátria e, sobretudo, os hierofantes empalhados da pequena moral. Por muito que se procure “uma forma de ser Natália Correia” é impossível encontrá-la porque ela foi tão plural e desconcertante que encaderná-la num catálogo é uma tarefa inútil. Os tempos não vão para pessoas assim. Para homenageá-la, vamos aos seus livros. É o que resta, no fim de contas. Nova Aliança, 4 / abril / 2013

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