16.9.12

A justiça espanhola, os grupos económicas e os velhos que morrem sozinhos

17 de fevereiro - Em 15 dias, a Justiça espanhola arrumou o processo de Sara Norte. A portuguesa foi detida em 6 de Fevereiro, em Tarifa, no Sul de Espanha, quando chegava de Marrocos com 800 gramas de haxixe no estômago. Ontem, Sara foi condenada a 16 meses de cadeia. Uma decisão rápida e eficaz – porque foi possível à defesa e à acusação chegarem a um acordo sancionado por um juiz: fez-se justiça e poupou-se tempo e dinheiro com um longo julgamento. Por cá, é tudo mais lento, mas nem por isso mais racional: 15 dias depois ainda o processo não teria merecido a atenção do Ministério Público – e nem acusação havia. A nossa Justiça insiste em deixar-se enrolar em velhas teias que lhe tiram lucidez. 20 de fevereiro – A crise para eles não existe. Até hoje, cativam uma parte significativa do orçamento de estado, à custa do qual se habituaram a enriquecer. Beneficiam de rendas das parcerias público-privadas da saúde, como acontece com o grupo Mello ou Espírito Santo. Recebem milhões pelo pagamento de juros da dívida pública. Obtêm concessões em monopólio, como acontece com a Brisa, detentora, por autorização governamental, das auto-estradas de Porto a Lisboa. Os favores que recebem do estado têm revestido as mais diversas formas. No tempo do fascismo, obtinham licenças num regime de condicionamento industrial, em que só os amigos do regime podiam criar empresas. O seu domínio sobre a economia e a política vem dos tempos da monarquia, onde pontificava o conde do Cartaxo, antepassado da família Mello. Já os Espírito Santo descendem do poderoso conde de Rendufe. Assim, estes grupos conseguiram trazer até ao século XXI, incólume, a lógica feudal, a tradição de atribuição de prebendas aos poderosos. Com uma diferença. Enquanto no tempo do feudalismo o rei atribuía privilégios que consistiam na doação de benefícios económicos (terras), a par de poder político (títulos), hoje apenas se concedem favores económicos. Assim, estes grupos mantêm o poder sem os incómodos do escrutínio democrático. Sabem que mais importante do que ter o poder na mão é ter a mão no poder. Até porque sempre influenciaram a política. Conseguiram-no no tempo de Salazar, através do fascínio que Ricardo Espírito Santo exercia sobre o ditador. Em democracia, contratam políticos de todas as tendências. Eanistas como Henrique Granadeiro, socialistas como Manuel Pinho ou social-democratas como Catroga. Neste jogo democrático viciado, os cidadãos são hoje como os servos da gleba de outrora, mas agora sob a forma de contribuintes usurpados. E reféns do sistema vigente, que muitos chamam de neoliberalismo, mas que não é novo nem é liberal. É apenas a manutenção do velho feudalismo e eles vivem felizes.. 26 de fevereiro – Infelizmente, o mundo não gira de forma igual para todos. Quando uma crise desafia o futuro colectivo de um povo não há muito espaço para outras angústias. Essa angústia maior de um futuro que se dissipa tende a monopolizar a estrutura emocional de toda a gente. Nestes tempos, porém, em que tudo se mede pela lógica do dinheiro, dos cortes e da austeridade, convém não ignorar o que nos coloca perante o mais essencial da vida. Ontem, duas irmãs de 74 e 80 anos foram descobertas mortas em casa, há várias semanas, no centro de Lisboa. Idosas, doentes, sem família, sem nada. Sem um pingo de ajuda ou de preocupação de um Estado cada vez mais exíguo, cada vez mais um mero suporte de uma elite endinheirada e longínqua do povo. Este é, cada vez mais, o nosso mundo. in Nova Aliança, 2 / 3 / 2012

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