16.9.12

Os espertos, os funcionários públicos e Fernando Assis Pacheco

4 de Fevereiro – Os portugueses são realmente pessoas engraçadas. Anda agora toda a gente muito exaltada, acirrada, enervada devido a uma frase inócua de Pedro Passos Coelho, porque ousou pedir que não fossemos piegas. Caiu o Carmo e a Trindade e parece que entrámos no domínio do delírio. Poupem-nos, por favor. De repente, todos nos esquecemos do senhor que nos conduziu ao estado em que estamos e que continua sem ser julgado em tribunal por isso, vivendo tranquilamente e sem rebates de consciência num dos mais caros bairros de Paris. A nossa imprensa, sempre tão rápida a atacar alguns, esquece-se de investigar de onde virá o dinheiro para o dia a dia deste senhor que, recordo, pediu licença sem vencimento na Câmara da Covilhã. Sei perfeitamente como se programam as agendas num meio de comunicação para fazer passar determinada mensagem mas neste caso não queiram tomar-nos a todos por parvos. Acho que um politico não pode insultar, mentir, ofender, achincalhar, humilhar, fazer de nós parvos, e ser negligentemente surdo. Ou seja, não pode ser como Sócrates quando mentiu, não pode ser como Cavaco quando falou das suas contas pessoais. Mas pode pedir para não sermos piegas. O mais saudoso Presidente americano, John Kennedy, também nos deixou coisinhas meigas e nem por isso é menos admirado e lembrado. Uma para amostra: “Não reze para ter uma vida fácil. Reze para ser um homem forte”. Não falando em Churchill, que nos deixou dezenas: “O vício do capitalismo é a distribuição desigual de benesses; o do socialismo é a distribuição por igual das misérias”... Não estou a comparar o génio destes com o modesto percurso de Passos Coelho, estou apenas a tentar dizer que os políticos, mormente os governantes, não deixam de ser pessoas e de poder fazer afirmações num estilo informal. Mário Soares terá sido, nesse domínio, o primeiro a saber conjugar a linguagem acessível, até mesmo o desabafo de ocasião, com a elegância e o estatuto. Dito isto, e aqui entre nós, quando ouvi o primeiro-ministro falar de piegas, dei-lhe alguma razão. Lembrei-me logo dos gerentes de restaurante e dos taxistas a quem, em anos de crise ou de vacas gordas, na miséria ou na riqueza, se perguntarmos como vai o negócio, nunca deixam de ensaiar o discurso (piegas) da lamúria (lembrando Sampaio): “ah, sabe lá, isto anda mal, o negócio já não é como era dantes...”. Um estilo que vem de longe e se remata com o clássico “saudinha é que é preciso”. Pois é. Mas concordo que este é um bom momento para tentarmos ser menos piegas. Menos queixinhas. E mais chegados à frente. 7 de Fevereiro - Eu acho uma injustiça tremenda o permanente ataque aos funcionários públicos, agravado agora com a história da tolerância de ponto. Afinal de contas, são eles que pagam impostos e sem eles não há serviço público. Por outro são eles que pagam a maior factura da austeridade. O ataque aos funcionários públicos é atacar a nós próprios porque atacamos os professores, os médicos, os bombeiros, os juízes, os procuradores, os policias, etc, etc. Isto é, cada aplauso à função pública menos médicos, menos enfermeiros, menos policias, menos tudo, o que como consequência, pior serviço público. Menos escolas, menos hospitais e centros de saúde, menos tribunais, menos esquadras, etc, etc. Somos cúmplices da destruição do serviço público ao aplaudir este constante mal dizer dos funcionários públicos. Até parece que a crise do país é culpa deles. Obviamente que quem estuda Filosofia em Paris assobia para o lado e finge, por ser mentiroso, que não é nada com ele. 12 de Fevereiro – Recordo hoje Fernando Assis Pacheco, que teria hoje 75 anos (morreu em 1995, à porta da Livraria Buchholz). Aproveitando a saída de uma biografia intitulada Trabalhos e Paixões de Fernando Assis Pacheco, da autoria de Nuno Costa Santos (autor também de um documentário que passou no dia do lançamento), vários cronistas da revista Ler dedicam no seu último número ( fevereiro 2012 ) os seus textos ao grande poeta e prosador (na literatura e no jornalismo) que, embora ao de leve, tive a felicidade de conhecer na redação de O Jornal e que não tinha televisão em casa, apesar de ter vários filhos então pequenos. Mas, além das memórias e testemunhos alheios, a revista brinda-nos com inéditos deste artista bem-disposto e versátil, que foi uma espécie de mestre para muitos jornalistas e escreveu um grande romance intitulado Trabalhos e Paixões de Benito Prada, que tem das melhores e mais surpreendentes aberturas da literatura portuguesa. Obrigada, pois, por no-lo trazerem de volta e lhe darem o destaque que merece. in Nova Aliança, 17 / 2 / 2012

Sem comentários: