16.9.12

Reformas e reformas

9 de junho – Quando um diário como o Correio da Manhã publica trabalhos sobre reformas logo surgem os queixumes e as palmas do costume. ‘Uma vergonha’,. dizem alguns. ‘É preciso dizer algumas verdades’, acrescentam logo outros. Desta vez, o texto apontava as reformas de vários atores de teatro, cinema e televisão. Montantes astronómicos, claro, na casa dos 300, 400, 500 euros. Os mais previdentes, autênticos milionários, conseguiram ir mais acima, até aos 1700 euros mensais. Os menos previdentes, uns tontos, nem reforma têm. Já perceberam que é tudo uma questão de previdência. O que nos leva ao outro caso, o do banqueiro Jardim Gonçalves que, coitado, nem o banco nem os tribunais deixam descansado. Jardim, nascido como o seu homónimo foi, ao que parece, previdentíssimo. Antigo fundador e delfim do banco, assegurou uma reforma fantástica, acrescida de várias regalias em montantes não negligenciáveis, reforma essa que passará inteira para a mulher caso morra. Tem direito ainda a quatro seguranças privados porque foi decidido, em reunião administrativa, que a sua integridade física corria riscos. Isto tudo porque trabalhou imenso e, obviamente, merece. Entrou para os quadros do banco em 1985, como diretor, e ali se manteve presidente até 2005. Por estas duas singelas décadas garantiu uma pensão mensal de (dizem do banco) 167.650,73 euros mais um contrato de seguro e encargos diversos no valor de 730 mil euros por ano. Isso porque não trabalha. Porque se voltasse ao banco, nem que fosse para matar moscas e limpar o pó da secretária, ganharia 650 mil euros anuais, que é o que ganha hoje, garantem de lá, o administrador mais bem pago. Mas voltemos ao exemplo anterior. Vejamos, por exemplo, o caso de Lia Gama, actriz que todos conhecem de inúmeros filmes e peças de teatro. Estreia profissional em 1963, uma carreira a caminho de completar 50 anos. Quanto tem de reforma? 330 euros mensais. O mesmo que Sinde Filipe. Um pouco abaixo de Margarida Carpinteiro, com 370. Ou Irene Cruz, 400. Simone de Oliveira conseguiu 560, Rui de Carvalho 1029. Consoante os descontos. Os milhares de aplausos que tiveram ao longo da vida deixaram-lhes isto. Mas querem saber? Estão tão protegidos quanto uma abelha na chuva mas não se queixam. Dizem que o que é preciso é ter saúde. Sorrisos do destino ou nós por cá todos bem. Mas Jardim queixa-se. Foi apenas ator e dramaturgo, não aplaudido, de uma única peça com um título de três letras, e mesmo assim queixa-se. Diz ele em sua defesa, por via do seu advogado e por escrito, que a culpa é de ter entrado "no circo mediático o inenarrável Berardo" e protesta contra a intenção do banco lhe cancelar as regalias extraordinárias ( seguranças, motoristas, cinco automóveis com gasolina talvez de 98 octanas, despesas com avião particular ), argumentando, lê-se no CM, com o facto de "o banco ter pago, ao longo de 13 anos [tais quantias], sem dúvidas ou hesitações quanto à validade". Fantástico argumento, sem dúvida. O que dirá então um qualquer funcionário público ao Estado, que lhe pagou o subsídio de Natal e de férias todos os anos, sem "dúvidas ou hesitações quanto à validade" e agora lhos tira a pretexto da crise? Dirá que antigamente é que era bom? Recordará as armas e o povo dos idos de 75? Ou ficará a olhar o fio do horizonte, a pensar se lá fora também será assim? A moral desta história, se existe alguma, é que mais vale ( pelo menos em euros ) ser ator de uma má peça que ninguém vê mas que todos pagam, do que subir aos palcos toda a vida. Mesmo assim, os artistas, os verdadeiros, são mais felizes. É deles que nos recordaremos, mesmo sem dinheiro algum. in Nova Aliança, 20 / 6 / 2012

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