16.9.12

Manuel António Pina

28 de Novembro - Há alguns assuntos que, por falta de espaço, são ultrapassados por outros, por vezes de pertinência mais duvidosa. A atribuição do Prémio Camões a Manuel António Pina é exatamente um deles. Conheço-o melhor como cronista no Jornal de Notícias mas Pina é um poeta raríssimo. Temos sorte em tê-lo na nossa língua. A sua obra é uma referência de beleza e de perplexidade, uma investigação sobre a natureza da própria poesia e da profunda religiosidade que a cerca, limita e abre para o resto do mundo. Tem um poema (‘A poesia vai acabar', do seu primeiro livro ‘Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo, Calma é Apenas um Pouco Tarde', de 1974), entre muitos, que me maravilha e comove - e onde pergunta: "Que fez algum poeta por este senhor?" Essa interrogação estende-se a quase todos os seus livros (traduzindo: o que faz a poesia pelas pessoas?) como uma procura do humano e do poético. O Prémio Camões não festeja apenas uma das vozes maiores da nossa língua - é a homenagem a um grande poeta em qualquer geografia. A poesia vai acabar, os poetas vão ser colocados em lugares mais úteis. Por exemplo, observadores de pássaros (enquanto os pássaros não acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao entrar numa repartição pública. Um senhor míope atendia devagar ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum poeta por este senhor?» E a pergunta afligiu-me tanto por dentro e por fora da cabeça que tive que voltar a ler toda a poesia desde o princípio do mundo. Uma pergunta numa cabeça. — Como uma coroa de espinhos: estão todos a ver onde o autor quer chegar? — Manuel António Pina Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde Nas crónicas, Pina demonstra a coragem que escasseia no actual meio literário, em que não faltam exemplos de escritores que permanecem no jogo da promiscuidade de acordo com as forças políticas do momento. Alguns críticos estão certos que as suas crónicas vão ser estudadas no futuro, até em teses de doutoramento, pela forma como incorporam a literatura em todas as áreas do quotidiano. Não são textos meramente circunstanciais, embora estejam ligados ao tempo a que pertencem, comparando-as superiores às 'Farpas' de Ramalho Ortigão Defendendo que as crónicas do poeta não têm paralelo na imprensa portuguesa, o Prémio Camões é uma bofetada de luva branca para os que insultaram Manuel António Pina, apelidando-o de pseudo-intelectual". O que é mais espantoso nele é que as qualidades literárias e humanas são equivalentes e ambas elevadas. E isso, nos dias que vão correndo, é muito difícil acontecer. in Nova Aliança, 22 / 12 / 2011

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