16.9.12

Isaltino (outra vez) e as exceções

12 de maio – A propósito do caso Isaltino, reparem bem como se passam as coisas neste país ao nível da justiça: "O requerimento deu entrada no Tribunal da Relação, que deverá pronunciar-se sobre a sua admissibilidade" - até aqui tudo bem - "sendo que a lei estabelece um conjunto de apertados requisitos para que o tribunal aceite" - mau - "Em caso de indeferimento na Relação" - a coisa acaba, certo? Errado. Isso é que era bom - "o arguido terá a possibilidade de recorrer dessa decisão para o Constitucional." - mas quantas vezes se pode recorrer para o Constitucional? - "Em caso contrário" - a coisa acaba? Acaba, não acaba? - "a admissibilidade do recurso será ainda objecto de uma nova avaliação no TC" - n-n-nova avaliação?! Mas acabou de sair de lá!! - "que não fica vinculado pela eventual admissão do recurso pela Relação" - claro que não. Isso seria demasiado fácil - "Uma vez no Palácio Ratton, o apelo pode ser objecto de decisão sumária do juiz relator, se - há sempre um "se" - "a questão a decidir já tiver sido objeto de anterior decisão do TC, ou se" - estão a brincar, certo? - "for julgada manifestamente infundada" - manifestamente infundada. De certeza que a coisa acaba aqui. Não. Esperem. Em que país julgam que estão? - "Dessa decisão sumária o interessado pode também reclamar para a conferência de juízes" - e para o júri dos "Ídolos", imagino. "No caso de ser admitido o recurso, Isaltino terá um prazo de 30 dias para apresentar alegações" - sim, porque, afinal, ainda só teve meia dúzia de anos para se explicar - "Em apoio das mesmas, poderá apresentar pareceres encomendados a especialistas em Direito Constitucional. O processo vai depois ao Ministério Público junto do TC, que tem mais dez dias" - Ah, ah. Ah, ah, ah-ah-ah - "para se pronunciar, após os quais os juízes dispõem de cinco dias" - aaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhh - "para apreciação, a seguir aos quais" - isto acaba, não é? Acaba. Ou bem que o prendem ou bem que o soltam - "é MARCADO O JULGAMENTO". Eutanásia, por favor. Onde é que eu assino? 16 de maio – O leitor já percebeu por aquilo que vai vendo e ouvindo que Portugal é um país muito especial. Podemos até chamar-lhe o País das Excepções. Afinal, o pagamento da crise não é igual para todos. Já todos o sabemos e não é uma surpresa. Os cortes são só para alguns. Os senhores que comem caviar, que se banham em perfumes, que se passeiam de Bentley e jogam golfe não podem ser prejudicados nas suas vidinhas. Era descaramento a mais do Governo tratar todos de forma igual. Rapazes bens cheirosos, charmosos e de porte elegante merecem o estatuto de excepção. É justo. Os que vieram ao mundo para sofrer e suportar os sacrifícios é que devem pagar a crise. Pensar de outra forma é revelador de inveja, sentimento mais mesquinho do indivíduo. E se refilarem, porrada neles. Com o fim do colonialismo, em que tínhamos brancos e negros, agora temos brancos de primeira, segunda e terceira categorias. É a estratificação social mais adequada e proporcional à importância do custo e do cheiro do perfume de cada um. É assim que está o País, cheio de gente que luta sem esperança. Tiram-lhes tudo sem sequer pedir licença. E todos consentem no silêncio do sofrimento. Para além do estatuto de excepção, o Governo criou uma espécie de apartheid social. Obrigar os homens do caviar a conviver, no mesmo espaço social, com gente que nada tem, mal nutrida e que não é solidária com o estatuto de excepção é de uma violência sem limites e piedade. Só a razão pública pode potenciar a criação de sociedades menos injustas. Governar é fazer escolhas. As escolhas foram feitas e a lista dos privilegiados, que gozam deste estatuto de excepção, tem crescido. No Orçamento para a Assembleia da República, aprovado por todos os partidos, os deputados e os funcionários da AR mantêm os subsídios de férias e de Natal em 2012; à semelhança do que se passa na TAP Portugal, para a SATA, para a CGD e para o Banco de Portugal. Reparem bem: este ano, o Governo autorizou vinte e três empresas e institutos públicos a terem regras mais abertas e flexíveis no que toca às reduções salariais, quer dos trabalhadores, quer dos gestores. Os principais beneficiários das excepções são os administradores de empresas públicas, que levaram muitas delas à ruína financeira. A lista está a crescer não na medida das necessidades, mas da ganância: CTT, NAV, ANA, Parque Expo, Instituto Nacional de Estatística e Infarmed… Haja decoro! Nenhuma razão pública justifica esta afronta de excepção na não partilha dos sacrifícios. É muito injusta a sociedade que estamos a criar. in Nova Aliança, 6 / 6 / 2012

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