18.6.14

Diogo Mainardi Na 'Folha de São Paulo'

Aproveitem o conselho. Se quiserem ler um cronista de muita qualidade, procurem Diogo Mainardi no Google. Com sorte, surgirão os textos que escreveu na revista Veja. Há tempos atrás assustou-nos a todos: desapareceu das páginas da "Veja" e eu estranhei porque todas as semanas, a coluna dele era lida e relida com prazer e proveito. Tentei saber: que sucedera? A resposta veio agora, em forma de livro. Intitula-se "A Queda - As memórias de um pai em 424 passos" (Record, 150 p.). Abençoado desaparecimento. É o melhor livro de Mainardi até hoje. Superficialmente, a obra pode ser resumida como o retrato que Mainardi dedica ao filho, Tito, que nasceu com paralisia cerebral em 2000. Esse grosseiro erro médico atingiu a mobilidade de Tito de forma profunda e irreversível. As caminhadas do filho - passo a passo, queda a queda, ascensão a ascensão - ganham uma ressonância quase homérica aos olhos do pai. E aqui reside a essência de um livro superiormente escrito e pensado: "A Queda" é uma obra sobre o pai, não propriamente sobre o filho. E as verdadeiras quedas e ascensões não são as físicas de Tito; são as existenciais de Diogo. É o próprio quem o confessa em tom apropriadamente anti-confessional (e anti-sentimental): antes de Tito nascer, o projecto de vida de Mainardi era não deixar a ninguém o legado da sua passagem. "Pulando de romance em romance", em Veneza - haverá melhor projeto? Por incrível que pareça, há: encontrar algo, ou alguém, que é mais importante do que nós. Algo, ou alguém, que nos descentre de nossas "veleidades" (palavra de Mainardi), concedendo um sentido de vida que é maior do que a nossa vida. Esse alguém é Tito. A infância de Tito. As quedas de Tito. Os passos de Tito. E, a propósito de Tito, Mainardi vai congregando todas as artes disponíveis para o explicar e celebrar: a arquitectura de Veneza; as palavras de Ruskin sobre a "Serenissima"; a pintura de Rembrandt. E, claro, o cinema de Abbot e Costello. Tito é a sua teoria, a sua ideologia, a sua religião. A sua vida. E a grande arte só tem préstimo quando a tomamos por empréstimo. Para que ela possa reflectir, no duplo sentido da palavra, os contornos da nossa existência. Os nossos livros, os nossos filmes, os nossos quadros - tudo isso só tem interesse porque em cada obra encontramo-nos a nós. Com Tito, Mainardi aprendeu o que poucos, raríssimos, são capazes de aprender: que "saber cair" é mais importante do que "saber caminhar". Qualquer um caminha. Difícil é saber cair. Difícil é receber cada queda com gratidão, muita gratidão. Porque só é possível caminhar direito quando o medo da queda nos abandona passo a passo. E até ao dia em que paramos de os contar. Nova Aliança, 17 / dezembro / 2013

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