18.6.14

As contas públicas e palavras antigas

23 de março - Apesar de tudo, ainda há notícias que furam a total indiferença. Segundo dados do INE, a taxa de risco de pobreza em Portugal aumentou em 2012 para 18,7%. Ditas as coisas desta maneira, parece justificado o alarme geral e a presença nas televisões de estudiosos aflitos. Afinal de contas, não são dados nada agradáveis e é sempre bom reconhecer algo que muitos afirmam há já muito tempo. Porém, ao acrescentar-se, de modo a acentuar as sombras, que a taxa é a mais elevada desde 2005, obtém-se o efeito inverso ao desejado e a coisa muda de figura. Recordamo-nos todos que então os poderes públicos tinham acabado de construir uma resma de estádios e organizado o "melhor Europeu da História", planeado o TGV e prometido o futuro aeroporto de Lisboa, entre outros desígnios nacionais que nos haveriam de conduzir à felicidade eterna. Agora que já verificámos que os estudos que davam o Aeroporto da Portela como ESGOTADO em 2011 não se verificaram, e já lá vão 3 anos, pelos vistos nem para lá se caminhando, convinha passar à fase de investigação criminal dos estudos e dos estudiosos que se prestam aos estudos que justificam as obras que nos enterram a todos e enriquecem alguns. Sobre Estádios e seus contributos para diminuir a pobreza, um pequeno apontamento. O Beira Mar, simpático clube da antigamente chamada 2ª Divisão, joga no magnífico Estádio Municipal, portanto de todos nós que leva 30,000 pagantes. Teve 17 jogos em casa com 12,897 espectadores ou seja uma média de assistência de 759 heróis que ocuparam 2,53% do mesmo Grandioso Estádio. Infelizmente um dos culpados disto é inimputável e não veio preparado, o outro que ajudou está na cadeia ( por outros motivos ) e todos nós vamos continuar a pagar tudo isto. Apresentando os números de outra forma, este valor aumentou de 17,9% em 2009 para 18,7% em 2012 (subiu 0,8%). A população em 2009 contabilizava 10.568.200 habitantes e em 2012 de 10.514.800; isto significa que em 2009 havia 1.881.140 cidadãos em risco de pobreza, “quase dois milhões”. Agora são 1.966.267, “quase dois milhões”. Isto significa que temos tantos pobres como os que tínhamos quando podíamos fazer 10 estádios, organizar um europeu de futebol, e gastar 74,1 milhões em estudos para o TGV. Os tempos, pois, eram risonhos, tão risonhos que o facto de o número de pobres de então superar o actual não incomodava ninguém, ou quase ninguém. E achava-se importantíssimo lembrar que os portugueses, incluindo os menos afortunados, não são números: são pessoas. Infelizmente, as pessoas em causa vêem-se transformadas em números logo que os seus alegados paladinos necessitam de agitar estatísticas. As dramáticas condições de vida de perto de dois milhões de cidadãos, de resto uma quantidade relativamente estável ao longo da última década, constituem a garantia de uma vida desafogada para as centenas ou milhares que "combatem" a pobreza como se o salário deles dependesse disso. Abrimos o "telejornal" e levamos com "técnicos" autodesignados para "analisar" os pobres , enquanto desfiam percentagens que "provam" o respectivo crescimento (a pobreza, nova ou velha, envergonhada ou indecente, escondida ou escancarada, cresce independentemente das circunstâncias). A terminar, lançam meia dúzia de "conclusões", embora sobretudo concluam a urgência em reforçar os apoios às fundações, redes, associações e "observatórios" a que pertencem. 27 de março – “ Lembro-me de que sendo Schmidt chanceler e eu primeiro–ministro, e estando Portugal numa situação financeira difícil, fui a Bona, então capital da Alemanha, com o ministro das Finanças Vítor Constâncio. Uns minutos depois, estando já Vítor Constâncio a expor a situação financeira, de que eu percebia tão pouco, pedi licença a Schmidt para ir dar uma volta e ver um museu. Assim aconteceu. Mas uma hora depois regressei para almoçar com ele, como estava combinado. Constâncio pediu para ir lavar as mãos. E então Schmidt disse-me: “Parabéns! Tens um ministro das Finanças excecional.” Ficou tudo resolvido.” ( Mário Soares ) O FMI chegou a Portugal pela primeira vez logo a seguir. Estava mesmo tudo resolvido. O caso BCP haveria de surgir mais tarde. Nova Aliança, 3 / abril 2014

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