18.6.14

Os contratos dos colégios privados

7 de novembro - A TVI voltou a mostrar-nos como funcionam as relações do Estado com os colégios privados com contratos de associação e que se batem por uma suposta "liberdade de escolha". Desta vez não se ficou pelo grupo GPS , que permitia que alguns dissessem que se tratava apenas de um caso de polícia. Mostrou como estamos perante um fenómeno generalizado. O padrão é simples de resumir. Num determinado concelho há escolas públicas suficientes. Algumas em excelentes condições, com obras muito recentes e com um óptimo quadro docente. Outras, pelo contrário, há decadas à espera de investimento. Escolas que chegam e, em alguns casos, até sobram para o número de alunos na região. Mas, no mesmo raio de influência, autoriza-se incompreensivelmente a construção de escolas privadas que, à partida, sabem com toda a certeza que contarão com apoio público - caso contrário nunca se lançariam no negócio. Esses colégios têm direito a subsídio público para receberem alunos, ao mesmo tempo que as escolas públicas veem o número de turmas reduzido muito abaixo da sua capacidade. Um apoio público de milhões permite que os ditos colégios ofereçam o que está interdito às escolas públicas: transporte para todos, por exemplo. E assim se duplicam custos e se garante o subsídio público a atividades privadas que não cumprem nenhuma função que o Estado não tivesse já condições para garantir. E se deixam as escolas do Estado a morrer por falta de alunos ou de recursos. À frente das empresas financiadas encontramos ex-ministros, ex-responsáveis pelas mesmas entidades que autorizam as escolas e determinaram o número de turmas permitidas no público, até autarcas no ativo que presidem às mesmas câmaras que financiam os seus próprios colégios. Encontramos a mesmíssima promiscuidade entre o público e o privado que determinou quase todos os crimes económicos deste país: do BPN às PPP, dos Swap às privatizações ruinosas, da administração privada de hospitais públicos às concessões rodoviárias. Não são casos de polícia. Não são a exceção que confirma a regra. São o retrato da elite política e económica nacional. São, com raras excepções, a sua forma de fazer as coisas Ou seja, a criação de um Estado paralelo, dirigido por empresas que o Estado financia para nos prestarem os mesmos serviços que ele hoje garante. Não é menos Estado. É mais Estado para as clientelas e menos Estado para os cidadãos. Garantirá esta solução mais qualidade de ensino? Apenas aquela que a seleção social garante e que os colégios praticam. Garantirá mais equidade e justiça social? Pelo contrário, cria um ensino a duas velocidades. Reduzirá os custos? Se cumprirem as mesmas obrigações do Estado, não..iDo que falta falar é do que esta lógica, no ensino, na saúde e em todas as funções do Estado, tem feito à nossa economia. Os últimos governantes não se limitam a querer que o Estado abandone as suas funções sociais para que, sem qualquer proteção garantida pelo conjunto da comunidade, esse mercado fique livre para o negócio. Isso foi o que durante anos defenderam para a saúde, para a educação e, talvez mais importante do que tudo, para o sistema de pensões. Agora querem mais. Querem que o Estado mantenha essas funções como mero pagador. Querem um mercado supostamente livre, mas que usa os impostos dos cidadãos para se financiar. Na realidade, é disto mesmo que a elite económica portuguesa vive desde quase sempre. Primeiro do ouro do Brasil e do comércio colonial. Depois do condicionalismo industrial. Por fim, dos fundos europeus e da privatização de monopólios protegidos e com o fundamental do investimento já feito. E agora, quer viver do financiamento público para desempenhar as funções hoje garantidas pelo Estado. A única coisa que não querem é um Estado Social forte, que qualifique e dê direitos a trabalhadores indisponíveis para viverem com salários de terceiro mundo, para, neste grau de exigência, competirem onde o mercado e a concorrência realmente existem. As boas agendas recheadas de contactos de ministros e os conselhos de administração recheados de ex-ministros continuam a ser um investimento mais proveitoso e seguro. É para manter esta forma de fazer negócios no país, passando para uma nova fase da rapina, e não para modernizar a economia e os serviços públicos, que se pede um consenso nacional em torno duma suposta reforma do Estado. Na realidade, a novidade que nos oferecem é antiga de séculos: continuar a proteger e a financiar uma das mais medíocres e protegidas elites económicas da Europa - que é constituída, há mais de cem anos, por mais ou menos as mesmas famílias. Nova Aliança, 14 / novembro / 2013

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