18.6.14

Os festejos das eleições

29 de Setembro – Os palermas que, numa noite de chuva, decidiram sair à rua e gastar uns bons litros de gasolina para dar umas apitadelas e vitoriar os vencedores autárquicos estarão no seu perfeito juízo? Existirá alguém que ainda tenha o desplante de atirar foguetes num ambiente de cortar à faca? Algum candidato consegue afirmar que venceu, sem engolir em seco perante os louváveis níveis de abstenção, perante os votos em branco e perante os recados fabulosos que os eleitores mais criativos foram deixando nos boletins nulos? A resposta a estas perguntas é “sim”. O que não falta por aí é gente assim. Registe-se o seguinte: há mais de 180.000 votos em branco (3.84%) e 140.000 votos nulos (2,94%). Em ambos os casos, são mais do dobro dos verificados nas eleições de 2009 (85.000 e 62.000, respectivamente, para o mesmo universo). Serão várias as causas destes números, que devem merecer reflexão. Os números são ainda mais avassaladores para as Assembleias Municipais (203.000 votos brancos e 145.000 nulos). Quer isto dizer que trezentas mil pessoas se deram ao trabalho, num dia chuvoso, de se deslocar aos locais de voto para não escolherem qualquer das listas candidatas. Infelizmente para todos nós, voltámos à realidade. Agora os tapetes de relva vão degradar-se e aqueles arbustos acabadinhos de plantar vão perder a sua graça. Agora as listas brancas pintadas no alcatrão vão apagar-se. Os buracos vão voltar aos mesmos sítios onde estiveram durante anos, o lixo vai acumular-se nos mesmos sítios, as árvores vão continuar a ser estupidamente arrancadas, algumas casas verão os seus acessos deteriorados embora paguem o mesmo IMI que as moradias chiques nos centros das cidades. Agora vamos ter uma pequena pausa nos boletins, revistas, espectáculos e demais ‘instalações' de múltiplos e avençados criadores que nos garantem que o município é uma festa. Agora vai ser assim até que daqui a três anos e meio a girândola comece a girar de novo e eles de novo comecem a prometer o impossível, quando não o indesejável, e, no caso dos que correm para a reeleição, a fazer com desmesura aquilo que sempre deviam ter feito com contenção. Agora vamos continuar a assistir à evolução dos autarcas: houve o tempo do saneamento, das ligações básicas e reais com os investidores imobiliários, depois o tempo dos estádios, pavilhões e piscinas. Hoje eles centram o seu discurso na ‘área social’. Urbanismo, lei das rendas, crescimento urbano são esquecidos. Infelizmente esta estratégia mediática não se mostra desacertada pois a falta de escrutínio a muitos dos programas ditos sociais é um dos sinais mais evidentes de como esta área rende muitas e boas notícias e melhor que tudo gera poucas perguntas. Os nossos partidos políticos continuam hábeis na arte de serem autistas face à realidade. O facto de os representantes poderem prosseguir as suas empreitadas em total desprezo pelos sinais óbvios que o eleitorado envia consegue ser mais preocupante e revoltante do que conhecer as fraquezas da democracia em si mesma. Politicamente, Portugal é um doente terminal a delirar e a pedir para ir dançar à chuva outra vez. Basta passar em vista as promessas que encheram as nossas ruas nas últimas semanas e que nos fizeram rir, já em meio de desespero e ao som de uma implícita marcha fúnebre. Os candidatos aos cargos locais, de mão estendida para Lisboa, parecem filhos do pai pobre a fazerem a lista de prendas de Natal às escondidas. Sonham com um dia que há-de vir. O dia em que poderão comprar tudo. Não os acordem repentinamente. Podem ficar traumatizados. Nova Aliança, 3 / outubro / 2013

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